Pavilhão 9
“Antes Durante Depois”
“O tempo é hoje, maninho. E que se foda a moda!” A
frase pode ser pescada na faixa que abre e dá título ao sétimo álbum do
Pavilhão 9, “Antes Durante Depois”
(Deck). Ela é emblemática, pois atesta que a lendária banda
paulistana capitaneada pelos MCs Rhossi e Doze pode ter passado mais de uma
década sem lançar um disco novo, mas manteve sua alquimia sonora intacta. Como
no auge do Pavilhão, o ouvinte vai encontrar um trabalho recheado com aquela
fusão de hip hop com guitarras nervosas que tanto sucesso fez entre as tribos
urbanas dos anos 90 para cá, tantos artistas influenciou Brasil afora e tanta
falta estava fazendo, não importa qual seja a modinha da vez.
“Antes Durante Depois” chega num ano emblemático para
o Pavilhão, que está completando um quarto de século. Nesses 25 anos de
trajetória, muitas coisas aconteceram – e todas elas estão representadas de
alguma forma no novo registro, produzido pela banda e por Daniel Krotoszynski.
Houve até mesmo uma pausa nas atividades, interrompida por uma reunião no
festival Lollapalooza de 2012 e por outros shows que rolaram na sequência. A
partir de 2014, Rhossi sentiu que precisava tomar as rédeas do Pavilhão e
reformular a lógica interna do grupo. Membros antigos foram cuidar de seus
projetos individuais e uma nova brigada assumiu os instrumentos. Hoje, a banda
conta com o batera Leco Canali (que vem do Tolerância Zero), o baixista Heitor
Gomes (que passou pelo Charlie Brown Jr.), o guitarrista Rafael Bombeck (que
também acompanha Rhossi em sua carreira solo), além dos dois cantores de
frente. A gravação do disco ainda foi reforçada pelas pick-ups do DJ MF.
Renovado, o time entrou em estúdio e gravou dez
faixas que dialogam com seus maiores êxitos (“Otários Fardados”, “Vai
Explodir”, “Mandando Bronca”, só para citar alguns que fizeram história), mas
também exalam ares contemporâneos. E essa era mesmo a ideia para o novo álbum:
fazer um passeio pelas principais características do Pavilhão clássico, sem
descuidar do fato de que estamos em 2017. Antes Durante Depois é
ágil, sem arestas, sem momentos descartáveis, sem faixas longas, e tem o mérito
de falar de temas sérios com a energia lá em cima. Sem cagação de regra e sem
escolher partido político, como gosta de frisar Rhossi.
Se a faixa-título serve de cartão de visitas, com
os MCs recapitulando os sentimentos de cada etapa da caminhada até aqui, a
música seguinte do disco foi a escolhida para apresentar o novo Pavilhão para o
mundo. “Tudo por Dinheiro”, primeiro single do trabalho, fala de grana num
momento em que o vil metal não sai do noticiário, especialmente por conta de
nossos políticos safados. Assim como o Pink Floyd fez a sua “Money”, Rhossi deu
sua interpretação sobre o tema, numa das cinco parcerias com o virtuose Heitor
Gomes presentes no repertório.
A corrupção dos nossos líderes volta aos holofotes
em “Acredita Não Duvida”. Mas há também uma mensagem de superação nos versos
dos rappers. Sonoramente, a faixa pode até ser descrita como um “trap rock”,
com seu peso e pegada “bouncy”. “Número 1” é a visão de uma pessoa comum sobre
o que está acontecendo no país, alguém que o Pavilhão sempre procurou
representar. Sempre ao lado do povo, sempre ao lado de quem batalha para sobreviver
nesse mundo cão.
O rock dá a primeira trégua na quinta faixa do
álbum, “Pesadelo Gangsta”. Com base assinada pelo curitibano Nave Beatz, um dos
produtores de rap mais prestigiados da nova geração, a música remete ao
Pavilhão dos primórdios, de pedradas como “Luto (Gangsta from tha West Side)”,
que fizeram o grupo ser identificado como propagador do gangsta rap no Brasil.
E como hoje anda moleza ser o bandidão na internet, mas a realidade na
periferia segue cruel, Rhossi precisava entrar nesse assunto.
As guitarras e as reflexões sobre o passado em
forma de bate-papo com Doze voltam em “Ideia Quente”. Já em “Os Guerreiros” é
mencionada “a saída pela educação”, que tanto esperamos e nunca acontece. O
hardcore chega pesado em “Boca Fechada”, talvez a mais virulenta contra os
mandatários da nação. Uma versão dá uma quebrada no ritmo: “Isto Não Para” é o
Pavilhão surpreendendo e trazendo para o português um hit de 2016 do rapper
espanhol Kase.O, que também integra o grupo Violadores del Verso. Rhossi e Doze
mantiveram o groove da “Esto No Para” original e até um “muévete” em castelhano
na última parte da canção.
E então o disco chega ao fim com outro momento do
mais puro hip hop: “Na Malandragem”, dessa vez remetendo a “Apaga o Baseado”,
cujo clipe a MTV exibia diariamente em sua fase áurea. Os versos sobre a erva
são envoltos numa atmosfera inspirada no seminal Guru’s Jazzmatazz,
além de contar com citação de “So What” (Miles Davis) e um solo final de
Reginaldo 16, o cara do trompete e do flugelhorn do Funk Como Le Gusta.
Finíssimo.
A capa que embala “Antes Durante Depois” conta com ilustração de Leandro
Dexter, que desenhou Rhossi usando a máscara que virou símbolo do Pavilhão 9.
Apesar de hoje só usá-la para efeito cênico nos shows, o MC reconhece que ela
agregou muito à mística do grupo. “A máscara representa o rosto dos oprimidos”,
diz. E ela ajuda bastante a manter a presença do Pavilhão forte no imaginário
das pessoas. Um exemplo disso é que mesmo num momento de pouca atividade da
banda, a fanpage no Facebook atingiu a marca de dez mil curtidas. Agora que há
um disco novinho na praça, certamente veremos esse número avançar pesadamente.
Hora de mandar bronca mais uma vez.
José Flávio Júnior